arteterapia argila

O uso dos materiais na prática clínica de Arteterapia

Em arteterapia, o processo terapêutico acontece, principalmente, a partir do contato com os materiais de arte. A expressão se dá através da produção de imagens e do diálogo que se estabelece com os significados atribuídos a essas imagens.

Tecnicamente, é importante que o arteterapeuta conheça o que está colocado como “propriedades dos materiais”. O que seria isso? Cada material é composto por características que o fazem ser da forma como é: um tem consistência líquida, outro é mais sólido, um é amarelo, outro é quase transparente. A essas propriedades também são atribuídos os modo como esses materiais podem ser usados: um pode ser modelado, dissolvido, outro recortado, montado e assim por diante.

Essas propriedades orientam na compreensão de como tais materiais podem operar, quando são estimulados ao uso.

Comumente, especialmente na Arteterapia de base junguiana, vemos essas qualidades dos materiais associadas às funções psíquicas desenvolvidas por Jung: pensamento, sensação, sentimento e intuição.

Compreendo que essa pode ser uma maneira de organizar e sistematizar aquilo que qualificamos como propriedades dos materiais de arte. Isso pode nos auxiliar a nortear os caminhos de um atendimento.

No entanto, o convite aqui é para pensarmos acerca dessa linha tênue que parece separar, mas, na verdade, entrelaça as propriedades da materialidade àquilo que é aflorado no e pelo corpo, quando a pessoa atendida entra em contato com esses materiais.

Seriam as percepções e afetos desse corpo gerados porque a propriedade do material pressupôs algo? Ou seriam produzidas a partir do encontro e da relação estabelecida com os objetos de arte? Sobre quais circunstâncias um desenho pode operar como uma linguagem estruturante? Ou uma colagem pode ocasionar algum tipo de organização?

Essas perguntas nos chamam para refletir sobre o que aparece como dado, ou natural, em relação às funções de uma materialidade na clínica arteterapêutica. Ao propor certos caminhos de um fazer, é preciso estar aberta às possibilidades que existem no encontro entre materialidade e pessoa atendida, diante do que é imprevisível e se constitui no contato, na experiência que se desvela da relação entre sujeito e material. Sobre isso, Merleau-Ponty vai falar que:

“Nossa relação com as coisas não é uma relação distante, cada uma fala ao nosso corpo e à nossa vida, elas estão revestidas de características humanas (dóceis, doces, hostis, resistentes) e, inversamente, vivem em nós como tantos emblemas das condutas que amamos ou detestamos. O homem está investido nas coisas, e as coisas estão investidas nele” (2004, p. 24).

E por que pensar acerca dessa relação é importante quando falamos sobre a prática clínica em Arteterapia?

Ao buscarmos compreender o outro, usamos os materiais como mediadores desse processo. A pessoa que está conosco, traz consigo suas narrativas, seu modo de existir e, a partir do que entendemos que será facilitador de seu processo, sugerimos materiais e usos.

Acontece que, dos encontros e desencontros produzidos na clínica, estão também aqueles relacionados à agência dos materiais: algo resulta da relação que esse sujeito vai estabelecer com o que for sugerido. Embora a arteterapeuta esteja implicada naquele processo, o que o outro sente, a maneira como o outro experiencia, diz respeito a ele e é nesse ponto que não teremos a certeza de que o desenho será estruturante ou a colagem organizadora. Quem nos comunica sobre isso é o próprio sujeito.

Ainda que partamos dos pressupostos, que não devem ser ignorados, é preciso ter abertura para o que não se espera, para cenários que nos convidam a repensar as funções de uma linguagem, porque naquele encontro entre materialidade e pessoa, desvelaram-se outras nuances, outras funcionalidades.

É esse lugar do desconhecido que nós, arteterapeutas, devemos aprender a ocupar. Ou melhor, a transitar e saber dar passagem. Acredito que só dessa maneira seremos capazes de fomentar e produzir uma clínica de arteterapia capaz de lidar com as múltiplas formas de existência, seja dos sujeitos envolvidos naquela relação ou da própria materialidade, que não se encerra naquilo que parece ser.

Referências

MERLEAU-PONTY, Maurice. Conversas-1948. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

Conheça Clara Maria Abdo
Conheça Clara Maria Abdo

Clara Maria Abdo é arteterapeuta de crianças, adolescentes e adultos. Mestre em Antropologia Social, pela UFF, e estudante de Psicologia.

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Sobre mim
Olá! Meu nome é Clara Maria Abdo

Sou arteterapeuta de crianças, adolescentes e adultos. Atuo e elaboro uma clínica arteterapêutica a partir da arte, da palavra e do brincar. Atendo online e presencial no Rio de Janeiro (Copacabana e Flamengo).

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